No editorial que eu aqui comento os Drs Tobias Derfuss e Ludwig Kappos, do Hospital da Universidade de Basiléia, Suíça, abordam que sempre se pensou que os interferons e o glatiramer acetato, ao diminuir a atividade inflamatória, diminuiriam também a carga de incapacidade progressiva futura da esclerose múltipla. Esta sempre foi uma implicação lógica dos achados clínicos e radiológicos, e nunca um achado científico comprovado por experimentação científica. Ou seja, os estudos sempre comprovaram que os interferons e o glatiramer acetato diminuíam a frequência das crises clínicas da esclerose múltipla, e a frequência das lesões nas ressonâncias magnéticas. Porém, nunca comprovaram que diminuía a progressão para incapacidade. Os brasileiros lembram bem de como compramos os Mavericks nos anos 1970 e 1980, assim como o Karmann-Ghia TC, achando que fossem Mustangs, Camaros e Porsches. Talvez esta seja uma história semelhante, embora um pouco mais cruel.
Em um estudo canadense publicado em uma das revistas mais influentes do mundo científico (Shirani A, Zhao Y, Tremlett H, et al. Association between use of interferon beta and progression of disability in patients with relapsing-remitting multiple sclerosis. JAMA 2012;308(3):247–256) comparando pacientes canadenses que usaram e que não usaram interferon beta durante os anos 1990 e 2000, os investigadores concluem que os interferons não tiveram um efeito significante na progressão de incapacidade da esclerose múltipla. Foram utilizados dois grupos controle em períodos diferentes, e foram incluídos quase 3 mil pacientes de British Columbia, a parte oeste do Canada, onde o sistema de saúde é público.
Os investigadores concluem que o uso rotineiro de interferon beta deve ser questionado. Embora a frequência de recidivas e remissões de esclerose múltipla e de lesões na ressonância possa ter diminuído, estudos longitudinais nunca demonstraram efeito na progressão de incapacidade física. Segundo Afsaneh Shirani, da Neurology Today, os resultados mostram que no mundo real, os efeitos de interferon devem ser encarados dentro de uma certa expectativa. Por outro lado, isto não quer dizer que os pacientes devam suspender seus tratamentos, e sim que devem conversar com seus médicos. Talvez algum sub-grupo de pacientes tenha benefício de tratamento. O estudo foi feito utilizando a British Columbia Multiple Sclerosis Database, que é mantida desde 1985, e inclui 80 por cento dos pacientes da província, incluindo 868 que usaram interferons, 959 que não usaram e tiveram a doença antes da época do interferon, e outros 829 controles contemporâneos. O ponto de incapacidade escolhido foi o nível 6 na escala EDSS, quando uma pessoa precisa uma bengala para andar 100 m. O grupo tratado foi seguido por 5 anos, e os grupos controle por 11 anos e por 4 anos. Não houve diferença na chance de chegar ao ponto 6, ou seja, de precisar uma bengala para andar 100 m, entre os 3 grupos, após serem controlados para sexo, idade, gênero, e outros fatores epidemiológicos.
Helen Tremlett, PhD, professor e pesquisador em neuroepidemiologia em esclerose múltipla na University of British Columbia, principal investigator do estudo, disse ter esperança de conseguir achar algum grupo de pacientes que tenha benefício de utilizar o interferon. Em um editorial no JAMA, Tobias Derfuss, MD, e Ludwig Kappos, MD, de University Hospital Basel in Switzerland, notam que isto não quer dizer que os interferons não tenham efeito. Porém, fica a interrogação de se ainda persiste a necessidade de os chamar de “disease modifying drugs” , como a neurologia internacional os chamou durante mais de 15 anos. Dr. Bianca Weinstock-Guttman argumentou que este estudo não levou em conta os anticorpos neutralizadores de interferon, que reduzem o efeito destas medicações a longo prazo. Timothy Vollmer, MD, professor de neurologia da University of Colorado Denver, disse que o estudo canadense foi impressionante pelo seu tamanho, mas não foi prospectivo nem randomizado. Ele considera que pode existir um efeito de interferon beta em esclerose múltipla, mas que o efeito é pequeno, e que este efeito não muda o curso natural da doença, como sua prática clínica demonstra.
(resumido por Paulo Rogério Mudrovitsch de Bittencourt a partir de um artigo da internet aberta, escrito por Susan Fitzgerald no Neurology Today 6.9.2012 – Volume 12 – Issue 17 – pp 1,15–17, www.neurotodayonline.com)
figura por Greg Dunn at gregadunn.com